Houve um tempo em que eu vivia em silêncio — não apenas no volume, mas na presença. Como mãe, esposa, filha, amiga, eu usava sorrisos como uma armadura bem ajustada, administrando o caos cotidiano da maternidade com graça, risos e, às vezes, colapsos silenciosos por trás de portas fechadas. Mas por trás daquela calma aparente, havia um coração ainda ecoando da noite que mudou tudo. A noite em que o tempo parou. Em que morri nos braços do meu marido — e voltei à vida.
Escrever meu primeiro livro, Coração de Esperança, não foi apenas colocar palavras no papel. Foi dar voz a momentos que um dia eu tentei esquecer, a memórias que enterrei em algum canto da mente porque doíam demais para revisitar. Demorou anos até que eu conseguisse falar sobre isso — sobre a parada cardíaca súbita, sobre o medo estampado nos olhos do meu marido, sobre o olhar da minha filha — um olhar que nenhuma criança deveria ter.
Toda vez que me sentava para escrever, eu congelava diante do teclado, as mãos tremiam — não por não saber o que dizer, mas porque dizer significava reviver tudo de novo. Significava voltar àquele quarto de hotel no Brasil, ao som do caos, aos gritos da minha mãe, ao silêncio absoluto quando meu coração parou. Significava encarar a realidade de que eu não era apenas uma sobrevivente — eu era uma mulher ainda em processo de cura, ainda aprendendo a viver novamente.
Mas algo milagroso aconteceu ao longo da escrita. Comecei a respirar diferente. Comecei a chorar — lágrimas verdadeiras, purificadoras. Não apenas pelas coisas que aconteceram, mas por tudo o que guardei dentro de mim para proteger minha família. Chorei pela culpa que carregava como mãe — acreditando que minhas filhas viram demais, sentiram demais. Chorei pela vergonha que sentia como esposa — por ter precisado ser salva. E, no meio de tudo isso, encontrei uma versão de mim que eu nem sabia que existia.
Encontrei força.
Cada capítulo foi uma sessão de terapia. Cada frase, uma libertação do medo, da vergonha, dos traumas não resolvidos. A cada palavra, eu retomava um pedaço do meu poder. Percebi que, ao esconder minha dor, eu não estava protegendo minhas filhas — eu estava ensinando a elas a silenciar. E esse não é o legado que quero deixar.
Quando entrei no universo dos concursos de beleza, achei que estava saindo da minha zona de conforto. Mas o que eu não sabia é que estava, na verdade, entrando no meu propósito. Usar uma coroa não significava fingir perfeição — significava aceitar minhas cicatrizes e decidir brilhar mesmo assim. Vencer o título de Mrs. Florida American 2024 não foi sobre beleza. Foi sobre coragem. Foi o momento em que a menina silenciosa, que escrevia cartas para Deus em segredo, subiu num palco e disse ao mundo: Eu sobrevivi. E estou aqui para ajudar outros a sobreviverem também.
Os concursos me deram uma plataforma, sim. Mas, mais do que isso, me deram conexão. Conheci sobreviventes, viúvas, enfermeiras, filhas, mães…Mulheres que me agradeceram por compartilhar o que um dia achei que seria uma ferida privada. Mulheres que disseram: “Eu senti isso também.” Esse é o poder das histórias: elas constroem pontes entre os lugares quebrados. Convidam a cura a entrar justamente nos espaços que antes temíamos.
Escrever Coração de Esperança me ensinou que vulnerabilidade não é fraqueza — é o berço da força. Aprendi que o trauma não nos define, mas sim a forma como respondemos a ele. Aprendi que a maternidade, com todo o seu cansaço e caos, abriga uma resiliência incomparável. E aprendi que a cura mais profunda acontece não quando escondemos a dor, mas quando a oferecemos como mão estendida a quem ainda está perdido na escuridão.
A você, mulher silenciosa que está lendo isso — que carrega mais do que demonstra — saiba que há beleza esperando na sua história. E um dia, sua voz pode ser exatamente o que dará coragem a outra mulher para finalmente falar.
Do silêncio da quase-morte aos holofotes de um palco. Da culpa à graça. Do silêncio à força. Essa é a minha jornada. E ela está apenas começando.
Com todo o meu coração,
Jana Bonassi
Autora de Coração de Esperança
Mrs. Florida American 2024
Sobrevivente, Defensora, Mãe, Voz do Que Nunca Foi Dito
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